Dia 18 de setembro, Dia do Software Livre, foi lançado o Trisquel GNU/Linux 4.0 – Codinome Taranis. Uma distribuição espanhola 100% comprometida com o software livre e que consta na relação das poucas distribuições recomendadas pela Free Software Foundation.
A proposta do pessoal do Trisquel é criar uma distribuição livre para usuários domésticos, pequenas empresas e centros educativos. Para alcançar esse objetivo escolheram como base a distribuição Ubuntu, retirando tudo aquilo que não fosse software livre além de fazer pequenos ajustes e criar uma identidade visual própria.
O resultado é surpreendentemente positivo. A escolha do Ubuntu como base garantiu a estabilidade e a facilidade de uso conhecidas do Ubuntu e a sua opção integral pelo software livre cria um diferencial para aqueles que se identificam com a filosofia da Free Software Foundation.
Não vou entrar em detalhes sobre o processo de instalação pois é o mesmo do Ubuntu 10.04, com todas as suas vantagens e simplicidade (o único porém é que o sistema inicia o livecd em espanhol ou inglês, você escolhe, e depois, durante a instalação, podes escolher o nosso português).
A primeira coisa que chama a atenção ao bater os olhos no Trisquel é que o mesmo é baseado no Ubuntu mas possui identidade própria, o que inclui a seleção de programas padrão e o visual.
Trisquel 4.0 LTS "Taranis"
A instalação padrão do Trisquel vem com o Gnome 2.30.2, um bonito tema escuro mas, diferentemente do Ubuntu, opta por utilizar apenas uma barra (como no Windows) ao invés de duas.
Essas mudanças conferem ao Trisquel uma identidade própria mas podem ser mudadas por usuários que se sentirem mais cômodos ao padrão com as duas barras.
A seleção de pacotes instalados por padrão é muito semelhante àquela do Ubuntu. Vamos as diferenças (que vou abordar pelas divisões constantes no menu de aplicativos):
Internet: No lugar do Firefox entra o Abrowser. Que é o Firefox mas que não recomenda extensões ou plugins não-livres além de substituir os trabalhos artísticos não-livres no programa. Temos ainda um agregador para leitura de notícias online, Liferea, e um cliente de IRC, Xchat, instalados por padrão.
Escritório: No setor Escritório não há novidades, com o destaque para a famosa suíte Office OpenOffice.org e o, entre outras coisas, cliente de e-mail, Evolution.
Gráficos: Na setor de aplicativos gráficos, vemos que houve a preocupação em não colocar na instalação padrão do Trisquel aplicativos com Mono. Assim o F-Spot sai de cena e entra o leve gThumb para visualizar fotos e o Shotwell para gerenciar fotos. Vale mencionar a feliz opção por manter o excelente GIMP na instalação padrão.
Multimidia: O player de vídeo padrão, como no Ubuntu, é o Totem. Mas pode ser instalado o excelente VLC dos repositórios.
Para organizar e reproduzir sua coleção de músicas, no lugar do Rhythmbox, temos o Exaile – que foi inspirado no aclamado Amarok 1.x.
Também é importante mencionar a excelente inclusão do programa Oggconvert, que possibilita converter música e vídeos para formatos abertos/livres.
Por fim, devido a distribuição ser europeia e não estadunidense não há dificuldades em reproduzir codecs patenteados como o mp3 pois já vem habilitado por padrão o suporte a reprodução de mp3 e os formatos de vídeos mais comuns através de implementações livres.
Jogos: Aqui temos xadrez, campo-minado, paciência, etc … e a ausência de um joguinho Mono que temos no Ubuntu o gbrainy.
Acessórios: Aqui vale mencionar a substituição do Tomboy pelo Gnote, o que juntamente com a remoção do gbrainy e a substituição do F-Spot, elimina o Mono da instalação por padrão (mas para aqueles que quiserem … estão nos repositórios, já que são software livre).
Vale mencionar que o kernel Linux utilizado é o Linux-libre, que é uma versão modificada e 100% livre do kernel Linux em que é removido todo o software que não inclui código fonte, assim como o código fonte ofuscado ou que esteja publicado mediante licenças proprietárias.
Aparte os programas instalados por padrão, o repositório (hospedado em servidores próprios) possui basicamente os mesmos programas daqueles do Ubuntu exceto aqueles que não estejam de acordo com a filosofia do software livre – além de trazer versões atualizadas de aplicativos livres em constante desenvolvimento que visam substituir alternativas proprietárias difundidas no mundo GNU/Linux, como o Gnash.
O suporte a nossa língua, apesar do site mencionar que são suportadas oficialmente apenas algumas línguas como o espanhol e o inglês, é perfeito.
A distribuição obviamente não é perfeita, como algumas de suas limitações, além daquelas inerentes ao Ubuntu e seus derivados, temos o atraso em relação ao próprio Ubuntu para o lançamento de suas versões. O Trisquel lançado no dia 18 de setembro é baseado, em linhas gerais, no Ubuntu 10.04 (lançado em abril).
Fora isso, no seu ponto forte temos o que de alguma forma pode ser uma fraqueza. Sua escolha pela filosofia do software livre acima de uma posição estritamente pragmática é o que atrai seus usuários mas trás alguns inconvenientes quando as soluções livres não estão a altura das proprietárias. Um exemplo é visualizar vídeos baseados em flash navegando pela internet – o gnash ainda não está a altura do serviço, abrir arquivos .rar versão 3 ou superior – para o qual não existe solução livre ou ainda alguns drivers que foram excluídos do kernel por dependerem de blobs binários.
Dado isso alguém poderia perguntar se vale a pena utilizar o Trisquel GNU/Linux, minha resposta é sim.
Das distribuições recomendadas pela Free Software Foundation, é de longe a mais bem acabada, a que possui um tempo na praça (existe a mais de três anos – não é uma daquelas que surge na segunda e na sexta-feira sumiu) e é muito funcional. A gNewSense, a outra distribuição recomenda pela FSF que é lembrada por muitos, é menos polida e não vê um lançamento a 12 meses.
Alguém poderia dizer que ela é irrelevante porque temos o Ubuntu, mas não é o caso. O Ubuntu está mais dentro da filosofia open source, endossando o uso de software proprietário quando convém (drivers, flash da Adobe, etc … – inclusive talvez surja uma loja de aplicativos que comercialize programas proprietários na versão 10.10).
Software livre, como eu entendo, e creio que o pessoal do Trisquel também … não é ter variedade de consumo de programas e licenças proprietárias e livres. É defender aquilo que em termos de software é o melhor para a sociedade. O software proprietário é anti-social pois é um conhecimento usado para subjugar as pessoas, cria uma relação de dominação entre quem fez o software e os usuários. O conhecimento deve servir a sociedade, todos devem poder modificar o programa e colaborar. Colocar opção por software proprietário na distribuição seria incentivar a existência do software anti-social.
Creio que é por esse motivo que o pessoal do Trisquel GNU/Linux é tão ‘chato’ em manter programas proprietários longe de seu quintal e também é por isso que possuem uma distribuição com uma razão de ser diferente daquela do Ubuntu.
Para aqueles que tem interesse na filosofia do software livre, o Trisquel, além de ser bem acabado e funcional, é pedagógico. Pois quando utilizamos um sistema que mescla código livre e fechado, muitas vezes não temos consciência de se tal tecnologia é livre ou fechada. E com isso deixamos de entender as limitações que nos impõem tecnologias proprietárias e padrões fechados – e consequentemente ignoramos as tentativas de substitui-los.
Quando passei a usar Trisquel é que descobri que Times New Roman e outras fontes Microsoft apesar de poderem ser baixadas e usadas gratuitamente não são livres, tem um série de restrições que as impedem de serem modificadas para serem usadas em fontes futuras assim como proíbe que sejam incluídas em outro produto; também descobri que não existem soluções livres para abrir arquivos .rar versão 3 ou superior, entre outras coisas.
Tomando consciência dessas coisas é que passei a usar o formato de compressão 7zip – que é tão bom quanto o rar mas aberto -, que entendi a razão da existência da família de fontes Liberation, etc …
Assim, recomendo para aqueles que se identificam com o software livre que deem uma chance ao Trisquel GNU/Linux, mesmo se não esteja disposto a usar como seu sistema principal, ele pode ser muito instrutivo sobre a situação atual do software livre e o que podemos substituir de padrões proprietários/ fechados facilmente mas não tínhamos nem ideia de que não eram livres/abertos (como o maldito rar versão 3 ou superior).